quarta-feira, 17 de março de 2010

Super-homem também chora

Dizem por aí que homem de verdade não chora. As lágrimas, portanto, só existiram nos olhos femininos, só neles tendo terreno fértil para se reproduzir, fluir e lubrificar o globo ocular. Até nisso as mulheres seriam privilegiadas.

Pois saibam que eu tive a oportunidade de conhecer uma exceção; eu conheci um super-homem que chorou.

Minha infância foi muitas vezes invadida por crises intermináveis de garganta. Virei um verdadeiro "cliente vip" do hospital Luiz de França em Fortaleza, para onde eu ia, em certas épocas, pelo menos duas vezes por semana. Era um "deus nos acuda". Minha mãe e meu pai, coitados, já tinham aquele cheiro de hospital impregnado nas narinas e as olheiras como amigas leais e inseparáveis.

A rotina era praticamente a mesma: crise inflamatória, hospital, farmácia, casa.

Quase sempre entre a farmácia e a casa havia um elemento a mais: uma injeção nas nádegas. Como dóia aquele troço. Primeiro a dor da humilhação de mostrar a bunda (vamos deixar de eufemismos) para um desconhecido; eu odiava aquilo.

Não bastasse isso, a agulha era, com falsos exageros, do tamalho de uma âncora de navio.

Numa dessas passagens pelo querido farmacêutico, eu levei a pior. Não se sabe exatamente por qual razão, a injenção, já grande, dolorosa e humilhante o suficiente, ainda me provocou uma paralisia na perna, de forma que eu simplesmente deixei de andar. O caos se instalou na família.

A um passo do completo desespero, minha mãe não sabia mais o que fazer. O filho prostrado em cima da cama; não havia médico que descobrisse o que ocorrera; meu irmão reinando sozinho; faltas na escola...

Havia quem cogitasse uma dose excessiva; outros preferiam jogar a culpa no farmacêutico, que, por sinal, era minha tese vingativa preferida: imputar a culpa ao carrasco.

O certo é que os dias iam se passando e a perna não respondia a nada, absolutamente nada. Não havia mais o que se fazer...A sentença de imobilidade já praticamente havia sido proferida; era como se faltasse apenas uma assinatura para torná-la pública.

Mas como em toda história de heróis, eis que que o super-homem aparece, sem a capa vermelha e sem aquela roupa azul colada. Ele não voava; não usava óculos nas horas anônimas; não aparecia só de vez em quando. O meu super-homem vinha todos os dias para minha casa e dormia no quarto ao lado com a mulher-maravilha. Ele não tinha músculos avantajados; não era galã de cinema, nem tampouco queria salvar o mundo.

Naquela noite, sem aguentar mais me ver naquelas condições, sem vislumbrar outra solução, meu super-homem simplesmente chorou.

No outro dia de manhã eu estava aprendendo a andar de novo.

Beijos e abraços.

3 comentários:

  1. Que história mais bonita, rapaz. Sensível.
    E eu acho que sei a identidade desse Super Homem.
    Beijos para você.
    Silmara Franco
    www.fiodameada.wordpress.com

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  2. Puxa... sabia dessa história, mas não sabia o tamanho do desespero que foi. Lindo o modo como vc descreveu.
    bjo

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  3. Danielle Queiroz Guarilha9 de junho de 2011 às 12:06

    História linda que me emocionou e me fez chorar. Relatos assim nos fazem lembrar que a melhor coisa da vida é estar perto de nossa família e de quem amamos. Danielle Queiroz Guarilha

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