quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ela

Ela chegou de surpresa. Depois de muitos anos sem qualquer notícias, a danada resolveu, do nada, dar o ar da graça e aparecer. Não bateu a porta, não ligou antes, chegou!

A partida, ninguém sabe a razão. O exato momento em que se foi, nem eu sei. Mas só eu, apenas eu, posso dizer o quanto foi difícil, afinal de contas sem ela nada tem sentido; aliás, sem ela passo a buscar sentido no tudo e no nada.

Não deu explicações, não disse quando voltaria, nem se voltaria. Apenas se foi, como se sem ela eu pudesse continuar de pé, sem tombar ou me abater. Nem ela mesma sabia que era tão indispensável .

Não raro, sentia algo que me fazia vê-la vindo de longe. Nessas visões turvas, ela vinha sempre acompanhada de alguém ou de alguma coisa que eu sempre achei que desejasse. Mas lá no fundo, bem lá no fundo, sabia que era pura criação da minha mente alucinada pelo seu retorno. Sedenta e, ao mesmo tempo, resistente em tê-la de volta.

Os amigos diziam que uma hora sua volta aconteceria; outros tentavam substituí-la; alguns nunca a tinham conhecido, embora oportunidades não tenham faltado

Eu evitava pensar sobre ela, não a procurava, me enganava e esvaziava o tempo todo. Mas sabia que continuar sem sua presença seria quase impossível.

Que bom que hoje ela voltou; minha vontade de viver voltou e prometeu ficar por algum tempo. Que ela fique enquanto estivermos só eu e ela, junto com o restos e as faltas; os versos e os reversos.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Para todas as horas

Fico me perguntando como seria a vida sem amigos. Sem essas pessoas que chegam sem ser escolhidas ou chamadas. Que simplesmente aparecem e ficam para todas as vidas e outras tantas.

O que seria de nós todos se não fossem eles? Como seria difícil decidir mandar aquela carta de amor sem tê-los por perto para nos dizer um "sim"; como seria escolher a roupa para ir ao primeiro encontro sem suas opiniões? O que seria de nós naquelas noites longas em que o sono não chega se não fossem eles?

Eu acho que amigo é coisa essencial na vida de todo mundo. Já pensou chorar a ida de um pai sem um amigo por perto? Ou enterrar o cachorro no quintal da casa sem uma pá de ajuda de um deles? Imagina sentir dor de dente às 3hs da manhã e não ter quem acordar?

Amigo é tudo na vida, meus amigos. É aquele para quem se liga quando se consegue o primeiro emprego; é quem primeiro sabe daquele mega show com o artista preferido; é com quem se faz pacto de sangue, juras de segredo, promessas incondicionais. Imagina abrir o jornal com o resultado do vestibular e não ter um deles para chamar?

Amigo é PHoda, com PH maiúsuclo. Divide o sanduíche, a coca-cola, a bata frita, o sonho de valsa e a água sem gás. Empresta o sapato para a entrevista de emprego, corre no meio do dia para tirar o outro do prego de gasolina na avenida mais movimentada da cidade; empresta dinheiro e não cobra; sente raiva e diz; ama, chora, briga, grita, corre, luta, vibra, entra, sai e volta.

Amigo é para todas as horas, para todas as vidas, para a eternidade.

Para todos os meus amigos que eu amo demais.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Super-homem também chora

Dizem por aí que homem de verdade não chora. As lágrimas, portanto, só existiram nos olhos femininos, só neles tendo terreno fértil para se reproduzir, fluir e lubrificar o globo ocular. Até nisso as mulheres seriam privilegiadas.

Pois saibam que eu tive a oportunidade de conhecer uma exceção; eu conheci um super-homem que chorou.

Minha infância foi muitas vezes invadida por crises intermináveis de garganta. Virei um verdadeiro "cliente vip" do hospital Luiz de França em Fortaleza, para onde eu ia, em certas épocas, pelo menos duas vezes por semana. Era um "deus nos acuda". Minha mãe e meu pai, coitados, já tinham aquele cheiro de hospital impregnado nas narinas e as olheiras como amigas leais e inseparáveis.

A rotina era praticamente a mesma: crise inflamatória, hospital, farmácia, casa.

Quase sempre entre a farmácia e a casa havia um elemento a mais: uma injeção nas nádegas. Como dóia aquele troço. Primeiro a dor da humilhação de mostrar a bunda (vamos deixar de eufemismos) para um desconhecido; eu odiava aquilo.

Não bastasse isso, a agulha era, com falsos exageros, do tamalho de uma âncora de navio.

Numa dessas passagens pelo querido farmacêutico, eu levei a pior. Não se sabe exatamente por qual razão, a injenção, já grande, dolorosa e humilhante o suficiente, ainda me provocou uma paralisia na perna, de forma que eu simplesmente deixei de andar. O caos se instalou na família.

A um passo do completo desespero, minha mãe não sabia mais o que fazer. O filho prostrado em cima da cama; não havia médico que descobrisse o que ocorrera; meu irmão reinando sozinho; faltas na escola...

Havia quem cogitasse uma dose excessiva; outros preferiam jogar a culpa no farmacêutico, que, por sinal, era minha tese vingativa preferida: imputar a culpa ao carrasco.

O certo é que os dias iam se passando e a perna não respondia a nada, absolutamente nada. Não havia mais o que se fazer...A sentença de imobilidade já praticamente havia sido proferida; era como se faltasse apenas uma assinatura para torná-la pública.

Mas como em toda história de heróis, eis que que o super-homem aparece, sem a capa vermelha e sem aquela roupa azul colada. Ele não voava; não usava óculos nas horas anônimas; não aparecia só de vez em quando. O meu super-homem vinha todos os dias para minha casa e dormia no quarto ao lado com a mulher-maravilha. Ele não tinha músculos avantajados; não era galã de cinema, nem tampouco queria salvar o mundo.

Naquela noite, sem aguentar mais me ver naquelas condições, sem vislumbrar outra solução, meu super-homem simplesmente chorou.

No outro dia de manhã eu estava aprendendo a andar de novo.

Beijos e abraços.