terça-feira, 25 de agosto de 2009

Era uma sexta à noite. Um daquelas normais, igual a todas as outras, sem nada que tirasse do coração um suspiro mais forte. Uma noite de um jovem de classe média, bem sucedido profissionalmente, voltando do shopping com alguns reais a menos no bolso e alguns pacotes cheios de "muletas".

Para a angústia dos motoristas, o sinal fica vermelho. Os carros todos cessam o movimento nervoso e um homem com uma placa de quase um metro aparece entre os veículos.

O jovem, sem ler o que estava escrito no papelão, saca alguns trocados da carteira, baixa o vidro e entrega parte do que sobrou das compras ao pedinte.

Depois de um longuíssimo minuto de espera, o sinal fica verde e os motores voltam a acelerar. O jovem segue seu caminho de todos os dias.

Mas eis que algo de inesperado é sentido pelo pobre jovem. O pequeno burguês é tomado por uma vontade avassaladora de voltar, de olhar nos olhos daquele cara do papelão. Sentia-se quase magnetizado pela idéia de voltar e simplesmente conversar com aquele que lhe tirou algumas moedas a mais da sua carteira, sem que qualquer muleta levasse.

Num ímpeto, já quase entrando na garagem do prédio, o pobre jovem muda sua direção, liga a seta e volta ao bendito sinal. Chama o senhor da placa e começa a perguntar-lhe coisas que lhe vinham à cabeça, como se quisesse desesperadamente arrancar daquele senhor algo para si, algo que ainda não detinha.

Indaga-lhe os motivos da sua permanência na rua até aquele hora, escuta a história, pergunta-lhe pela família, pelo trabalho e impressiona-se não só com o que escuta, mas sobretudo com a postura daquele senhor. Fugia à tradicional manta de coitadinho e desemparado que qualquer pessoa sujeita a situação idêntica colocaria sobre si. O olhar e o sorriso daquele senhor transpassava a alma do pobre jovem de uma forma tão diferente, tão específica, que o fez pensar se tratar de alguém que já conhecia ou alguém que estava ali com um propósito maior.

A vinda do senhor para São Paulo decorreu exclusivamente da necessidade de tratamento de saúde de sua filha; o trabalho, ele aguardava a resposta de uma proposta no dia seguinte. A origem do senhor? Ele vinha da mesma cidade onde nasceu o jovem motorista.

O jovem saca mais um pouco de dinheiro da carteira ainda cheia, e vê o rico homem aos prantos agradecido pelo ato. Pede para que ele vá para casa e o vê logo em seguida contando o que acabara de lhe ocorrer aos frentistas do posto de gasolina.

Naquele noite fria, o pobre motorista foi dormir rico e cheio de vontade de virar gente de verdade.

O jovem nunca mais viu a placa de papelão naquel sinal.

3 comentários:

  1. Mas que história bonita. Coisas tão sensíveis na metrópole maluca...
    Gostei. Quase imaginei o senhor do papelão. E ele ser da cidade onde o jovem nasceu... sei não. Recado de algum anjo, só pode ser.
    Beijos,
    Silmara Franco
    www.fiodameada.wordpress.com

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  2. Não sabia da tua veia literária. Essa história é linda mesmo. bjo

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  3. Acho que vi uma mosca aqui.
    rsrs
    Beijos,
    Silmara

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